terça-feira, julho 24, 2007

Tudo aquilo que não fizemos

Não cantamos aquela canção do Roberto no show dos Mutantes. Não tomamos uma cerveja no "Sonho Lindo" porque você não contém glúten. Não fomos ao Parque Laje. Ou ao museu da chácara do céu em um sábado pela manhã ouvir um concerto de harpas. Nem vimos um filme colorido do Bressane na fase Londres-década-de-70 no Caixa Cultural lá no centrão da cidade.

Não ouvimos o disco de 79 da Ângela fazendo amor no colchão da minha casa. Nem compramos pão na padaria do Largo do Machado esperando a sessão das 13:30 no Cine São Luiz. Não esquecemos a chave, o dia, o lugar, nem pegamos o ônibus errado para Santa Teresa. Não compramos flores na Avenida Nossa Senhora de Copacabana, nem assistimos vinte filmes e transamos de quinta-a-segunda-feira de um feriado prolongado. Não fizemos tudo que eu queria muito.

Tudo que não fizemos (ainda).

segunda-feira, julho 23, 2007

Acorda, Ana Carolina

[Cena 1 - P&B - Qualquer metrópole - Caio e Ana]

Ana: - Você fala demais.

Caio: - Pois é, até que falo mesmo...

Ana: - Eu falo demais também, eu sei.

Caio: - Não... não fala muito...

Ana: - Tá vendo?! Você tinha que dizer que falo, aí depois me fazer ficar quieta, ou discordar do que eu disse, mandar calar a boca mesmo... só não faz desse seu jeito aí que acaba complicando tudo.

Caio: - Complicando?

Ana: - É... complicando! Ninguém faz assim, todo mundo corta esse tipo de coisa logo, para de achar que tudo é bonito, ou faz sentido... isso é só coisa da sua cabeça.

quinta-feira, julho 19, 2007

Blues do Hotel vazio nas férias

Aí, quando você menos espera, aparecem mais coisas chatas a se fazer, outros pequenos trabalhinhos diários que cortam o barato do dia e aquela falta de paciência às vezes pega pesado aqui na cidade sem hotel.

Mas quer saber de uma coisa?

Eu to virando adulto de verdade, sabe?

Nada mais me abala seriamente e esse é o mantra que importa.

sexta-feira, julho 13, 2007

Voltando aos dias de Girassol

Ele caminha pela Avenida Portugal e pensa nas férias, no edital da Petrobrás para livros, na bolsa da Biblioteca Nacional para escritores, em enviar um conto para o editor fulano de tal, ele sente que o mundo resolve desacelerar e fazer sentido. O dia está nublado, mas mesmo assim a manhã é a mais bonita das últimas semanas. Na rua, começa a cantarolar as músicas do “Girassóis da Rússia” na seqüência do disco, o egoísmo da felicidade chegando aos poucos é a razão agora de cada passo seu.

Vai viajar, mas já pensa em passar por Porto Alegre, quer morar na Argentina um tempo, se possível, e seguir a vida nova que o destino vem mostrando com a prudência dos passos firmes e seguros. Agosto virá junto com a chance de começar o ano outra vez, e então, seus sonhos de mudança só irão depender das próprias mãos. A força de seu coração acredita de verdade que a grande virtude é reverter os erros, começando novos dias, onde o possível sempre é a coisa mais linda no mundo. Porque possível aqui é tudo. Engraçado como ele às vezes não lembra desse enunciado simples.

Agora, já no final da calçada, canta mentalmente a letra de “Iguais” abraçando com carinho as nuvens da Praia Vermelha:

Do Pelourinho ao Partenon,
Eu digo: Eu vou.
Da Liberdade até o Leblon,
Eu digo: Eu vou.

quarta-feira, julho 11, 2007

15 de Abril - 15 de Julho

O caminhão do lixo já passou, as pequenas pedras já quase não ocupam espaço no meu caminho e o sol agora brilha ao meio-dia na avenida Maracanã. Olho pela janela e enquanto vejo os apartamentos de Vila Isabel, só consigo pensar que a parte mais difícil terminou agora. Pronto, foi, acabou. Os dias chatos parecem distantes do futuro próximo e desejo que nossa sexta-feira, enfim, possa ser só de festa.

Guarda um lugar aí do seu lado pra mim que quero comemorar esses três meses de vida nova. Ah, e claro, comemorar também os próximos quinze dias de tranquilidade, já que logo o ano volta ao normal de sempre. E felicidade assim, só vamos sentir outra vez depois de uma semana chata e corrida de Setembro, enquanto caminhamos no sábado pelas calçadas lá do Ingá, rindo e brincando com todos os velhos, crianças e cães que passarem por nós dois. Amo ir comprar pão com você e todas as outras coisas que a gente faz.

Que assim seja por muito, muito, muito tempo.

terça-feira, julho 10, 2007

São Salvador

Ele observa sentado próximo ao chafariz da Praça São Salvador algumas crianças jogando bola e fuma o último cigarro do maço pensando em quanto tempo Ana ainda vai demorar. Levanta-se, vai ao orelhão e não consegue telefonar. Voltando ao banco, acha engraçado ver uma senhora que sentada sozinha como ele, provavelmente perde-se em pensamentos tão longos e dispersos quanto os seus. Aquela praça perdida entre dois bairros parece ter sido construída para momentos assim. Um caminhão de pessoas vestidas em roupas casuais movimenta a calçada do supermercado Zona Sul que ilumina a rua com o néon de seu letreiro.

Ele resolve ir até lá e gastar a nota falsa, que ironicamente, sacou em um caixa eletrônico 24 horas. Até esses dias estranhos já começam a fazer sentido no meio da confusão do supermercado. Lá dentro, entre bananas e carregadores de compras, lembra do poema que Ginsberg fez para Walt Whitman sobre famílias nas compras da noite. “Corredores cheios de maridos” ele diz baixinho e anota mentalmente para contar a Ana mais tarde. São 21h15min no relógio do celular. Caio acaba não comprando nada e volta para o banco com a esperança de que os últimos minutos passem mais rápidos que os anteriores.

Ana atravessa a rua com seu casaco azul e já sorri ao reconhecê-lo de longe. Ele pergunta se os dois podem ficar só mais alguns minutos ali sentados conversando, ela aceita e começa a contar sobre o último dia na aula de inglês.

- Você ligou pra sua mãe? Ele interrompe.

- Não, vou ligar daqui a pouco.

Viver um sonho às vezes requer só simplicidade. Ana continua contando a história da aula e as luzes da São Salvador nunca foram tão coloridas. Ele sente e não diz.

Melhor assim.

sexta-feira, julho 06, 2007

O primeiro dia útil

Os tempos são de confusão e ela segue em silêncio. Andando com a cabeça baixa, olhando as crianças na rua e não enxergando sorriso que faça a semana passar mais rápido. Tudo se arrasta em uma longa agonia de suportar o peso do que não se pode entender facilmente. Só existe agora a vontade de dormir por dias e não precisar trocar palavra alguma com ninguém, pagaria com a vida para não ouvir sua própria voz tão cedo. Cecília começa a chorar no ônibus ouvindo uma canção que diz assim:

you know it's not the end
we'll always be good friends
the letters have been sent on

perfect strangers when we meet
strangers on the street
lovers while we meet

A chuva lá de fora entra pela janela e ela pensa em mudar tudo de hoje em diante.

quarta-feira, julho 04, 2007

Um cara de bicicleta rosa não é La Vie en Rose

Ela olha e me diz pra não fazer essa cara, respondo com um sorriso e ela diz: "não, não vai embora com essa cara." Que cara? Essa aqui? Talvez seja a mesma que você faz quando o meu braço procura o seu ombro, ou quando a minha mão procura a sua mão. Será exatamente essa cara que eu também vejo? Cara de adeus, cara de até logo, cara de passa aqui amanhã, talvez.

As canções lá dentro foram intermináveis e não conseguimos dançar nenhuma que fosse só nossa, aquela onde geralmente eu deveria te abraçar e dizer perto do seu ouvido que essa música muda tudo, que amanhã a gente pode passear no Parque Lage e esquecer que o mundo era diferente até ontem, sabe? Mas você sempre insiste em olhar pro nada, ficar procurando algum vazio entre nós dois, mirando no infinito enquanto diz ter vergonha do que é sério, ou do que as outras pessoas não entendem. Você é que não entende nada.

Eu sei, já fiz milhões de caras melhores. Já ri bastante, e com prazer, de cada sílaba que você juntou em algum almoço perdido por aí tentando explicar que a gente escolhe quem ama e pronto, tá escolhido. Vê ali o que a gente quiser, ama ali o que a gente quer amar, mas não, minha linda, não é bem assim mesmo. Ninguém escolhe morrer jovem, ninguém escolhe perder anos de vida, ninguém escolhe voltar pra casa no meio da madrugada pensando se aquela mulher que a gente acha a mais bonita no mundo sabe que a vida não espera ninguém.

Ela passa igual ao caminhão do gás, sabe? Atropela e te manda sofrer depois por entender tão tarde o sentido ridículo das coisas, que até aqui você só consegue chamar de "complicado". Complicado sempre é sofrer depois, e olha, as pessoas sofrem depois aos montes pelas ruas, é só dar uma caminhada pela Rua das Laranjeiras às seis da tarde e você vê fácil uma coleção de arrependidos. Ou vai ver sou eu quem não entende nada. É isso aí, pronto: eu não entendo nada de você.

Ela então caminha em direção ao ônibus e diz agora já bem baixo:

- Não Caio, não vai embora com essa cara, por favor.