terça-feira, maio 30, 2006

Come pick me up

Minha menina tem um sorriso lindo. Fala baixinho quando deve e faz sorriso quando dá vontade. As vezes deixa grandes pausas de silêncio só por prazer, que eu sei. Me escreve micro textinhos da nova forma genial que descobriu. Telefona quando peço e me convence que faz o que eu quero quando ela faz o que quer. Essa é a minha menina. Uma mistura carioca de Audrey Hepburn e Simone de Beauvoir.

Eu faço a casa e você desenha os sonhos? Eu escrevo as cartas e você passa o café? Minha senhorita dândi conhece pouco desse mundo mas já domina com sabor de senhora os espaços que deixo entreabertos. Sorri e fala com paixão de carne as minhas frases vertidas para o inglês. Eu não digo é claro, mas ela aprende muito rápido. Este homem feito vira qualquer coisa doce só para alegrar a menina que não pode sair da cama.

Quer que eu conte uma história? É só dizer baixinho que ficou triste.

Hoje escolhemos nomes e cães. Micro partículas do que é um paraíso a dois. Ela não imagina ainda que todas as revoluções pessoais começam assim. E olha meu amigo, não existe nada mais bonito nesse mundo que assistir a isso. Enquanto ela diz "eu quero..." só consigo pensar em discos de vinil pra colorir de prazer os nossos sonhos. Pode ser 'Crazy Love' para um colchão no chão? Ou vamos começar de 'London Calling'?

O meu papel nesse teatro de sombras é só dizer: Meu amor, tudo que a gente passou até aqui é parte disso. Eu tinha que aprender um pouquinho, você tinha que aprender um pouquinho. Receber rosas de paixão, sonhar com olhos de paixão. Esquece o que te disseram até aqui.

Todos, absolutamente, estavam errados.

Vou viajar mas o mundo novo já é nosso. Serão filmes, livros, discos, dias fazendo algum sentido como hoje quando você desligou o telefone. Sou muito mais do que você pensa. Sou o seu menino também. Esquece qualquer verdade ou qualquer passado. Pode rir de qualquer lembrança.

Vê se corre logo pra cá e me beija com gosto de minha mulher.

segunda-feira, maio 29, 2006

Funziona Senza Vapore


Noite de completo frio - Barraquinha de biscoitos e doces -
Praia de Botafogo.

- Nossa. Você é a cara do camarada do Engenheiros!

- É né?

- Muito. Sempre me dizem que eu pareço o Renato. Renato Russo...

- Rapaz. Parece mesmo.

- Sempre te dizem isso também? Do cara do Engenheiros?

- Dizem sim.

- Vamo fazer uma banda cover então!

- Rárárá. Mulher que é bom mesmo, nunca me acha parecido.

- Mas tá bom também.

- Sempre me dizem isso... que eu pareço o Renato. Renato Russo...

- É engraçado isso comigo também.

- Mas ele tá de volta aí, com um trabalho acústico, muito bom.

- Viu esse acústico aí?

- Do cara do Engenheiros? É bom mesmo?

- É sim.

- Nossa. Você parece muito com ele!

- Até fiquei na dúvida...

quarta-feira, maio 24, 2006

Aquela vida inteira

— Me conta. Como foi lá? Ela dizia já sem aquela animação dos telefonemas, uma voz de meio tom abaixo.

— Foi legal. Você sabe como é. E eu só pensava em abraçar forte e ter certeza que tudo mudaria ali.

— Você não vai jantar? A comida aqui é tão gostosa. Vai... vamos dividir alguma coisa...

— Não. Estou realmente sem fome. Por que eu já sabia que o encontro seria assim? Durante toda a viagem quis me convencer de que estava errado. Ela ligou. Disse que precisa, que não entende, que faz falta. Caminhamos duas quadras cantando juntos o que parecia ser a nossa canção. Abraçados esquecemos o frio e as pessoas. Gritamos cada palavra mais alto, cada nota mais alto. Ao me despedir senti que não poderia deixar as coisas assim, sem ponto final. Ela deu um passo sem perceber e me olhou nos olhos.

— Ahhh... não vou conseguir ir embora assim. Posso te beijar?

— Pode. Com timbre de talvez, com som de eu queria, eu quero, não sei.

O beijo foi longo e os ruídos da noite foram a trilha dos pensamentos, das perguntas e do carinho de dois mundos tão distantes naquela chuva fina.

O casal que a vida mais amou, escolhido pela chuva, pela canção e pela distância, morreu quando aquele beijo acabou.

E depois tudo se desfez em um silêncio eterno.

E ninguém mais dormiu em paz naquela rua.

quinta-feira, maio 18, 2006

Walking

O som está alto na sala. A senhora do outro lado da janela passa as roupas com certa delicadeza. Olhando todos os prédios só consigo pensar na dificuldade de mudar hábitos tão antigos que acabam sendo parte do que fui até aqui. A espera de resposta me fez entender bem o que pensa quem está no corredor da morte.

Hoje não li o jornal. Os discos estão um pouco chatos, a velocidade atormenta demais aos ansiosos. Por um momento sinto poder tocar o abismo e não entender sentido algum. Nessa hora escuto um trompete perdido gritando frases sem melodia, frases a esmo. Quem joga uma garrafa ao mar espera resposta?

Não conheço o mundo do lado de lá, só imagino. Vejo gestos leves, imagens de afeto, carinho. Ainda é o mundo de lá. Longe demais da realidade daqui. Penso em pontes. Alguém poderia mostrar uma ponte, um avião, uma forma de comunicação qualquer com a outra metade do sonho?

A carta escrita "Sol" disse prever um encontro. Águas de hemisférios totalmente diferentes formariam o desenho do mar? Talvez ela passe por aqui apressada querendo um beijo de saudade.

Hoje escrevi uma nova canção e ela me disse: Esperança.

terça-feira, maio 16, 2006

Diálogos em AM


1280 KHz:

- Então a senhora já pode deixar o telefone para quem estiver interessado e de coração aberto em todo Brasil...

1400 KHz:

- Sua generosidade chamará a bondade alheia em seu socorro!!!

620 KHz:

- Em Brasília dezenove horas. Você está ouvindo...

1520 KHz:

- Que o satanás deixe esse corpo em nome da glória e do espírito...

750 KHz:

- O time do Inter não pode ficar jogando assim no campo do adversário. O Abel não viu ainda...

1110 KHz:

- "Rimas fáceis, calafrios, fura o dedo e faz um pacto comigo..."

quinta-feira, maio 11, 2006

Inverno em Isabela


"talvez não fosse, se fosse mais doce...quem sabe"

Ela é a frase de efeito. O sonho da noite passada. Na hora parecia real, uma vitória de vida real. Lembro de sonhar e sentir a felicidade daquele momento em que acreditei ter certeza de não ser um sonho. Ela sorria exatamente com aquela roupa. A blusa era linda mas o sorriso era mais. Sorriso de fotografia.

Não sei onde mora, duvido de quem anda, esqueço o sobrenome. Pergunto as horas? Compro um disco? Conto uma história? A cada novidade digo o seu nome quando chamo de amor. Vejo na rua, na cama, nas poltronas do Municipal. Faço Terapia? O sol da manhã queimaria melhor. O cigarro na janela seria um samba de trilha sonora.

Quero ser amigo dos amigos. O pai dos filhos. Vejo endereços? Tento telefones? Impaciência no redial. A mesma canção por horas. Talvez nunca chegasse ao fim. Um café aqui na frente. Troquei na letra "Marieta" por "Isabela". Pensei o que inventaria nos finais de semana. A guitarra faria mais sentido, as pessoas fariam muito mais sentido. Escrevo uma carta?

19 e 24. Urca. Carro. Trabalho. Roupas coloridas. Lencóis. Discos. Violão. Sacolas de supermercado. Manteiga. Almoço. Sonhos velhos, calor de Janeiro. Filme de sábado. A mãe ligando. Roupas no varal. Nada de muito novo. Nada de novo.

Fumo outro cigarro?

Quanto antes melhor. Buenos Aires com violinos de segunda fileira. Tédio e garoa fina de maio. Why does it always rain on me? Ela canta um pedaçinho pra passar o tempo. Pensa que talvez seja só pouco tempo. Tento dormir mais cedo? Tudo é só sonho. Não existe lá, só aqui. Ou até existe e ela não acredita. Não sabe talvez.

Queria te contar as horas. Queria voltar pra casa de um dia cansado. De uma sexta-feira de tempo contado. Mostrar as frases bonitas nas passagens de acordes dissonantes. Comprar o pão de qualquer feriado. Jantar o vinho de qualquer quinta-feira igual. Testo a paciência?

Grito o nome? Invento mentiras?

Talvez não seja suficiente.

sábado, maio 06, 2006

05:00 ou Urgência


"Eu não quero ser viável. Essa bandeira não é minha, mas acho que sou viável. Não preciso de porra nenhuma que eu não tenha - minha urgência é muito maior que a minha carência."

"Muita gente fica discutindo a vida como se fosse uma coisa passível de discussão. Como se a doença que se pega fosse passível de discussão. Como se o fim de semana que chega fosse passível de discussão."

segunda-feira, maio 01, 2006

Mensagens Instantâneas


Manoel diz:
eu quero ter feito uns 10 discos
Manoel diz:
escrito uns 30 livros
Manoel diz:
viajado uns 60 países
Manoel diz:
ter sido casado por 80 anos
Manoel diz:
tido 2 filhos
Manoel diz:
disputado algum esporte
Manoel diz:
que seria impossível
Manoel diz:
pra alguém não profissional
Manoel diz:
escrito coluna em jornal
Manoel diz:
quem sabe até ter sido deputado federal
Manoel diz:
depois disso tudo
Manoel diz:
e mais um monte de outras coisas
Manoel diz:
eu posso ir
Manoel diz:
sem perder a ternura, é claro.