sexta-feira, março 23, 2007

Chiarello

Algumas vezes ela volta nos sonhos, em outras ela aparece nos pensamentos antes de dormir. A cabeça refaz aquele filme inteiro e só me pergunto se alguma coisa faria com que tudo fosse diferente. Lembro de quando ela me ligou pra cantar "meu amor / cadê você? / eu acordei / não tem ninguém ao lado", ou pra assistir a um programa de piano, ouvir música clássica também, ou pedir que eu fizesse o adesivo: "Eu amo a minha dentista". Foram tempos estranhos e tão bonitos. Hoje o telefone não toca mais de madrugada, pra ser franco, eu não tenho mais telefone em casa por isso. Pra não sentir falta.

Falta daquela voz, que nem sendo um Hemingway da vida eu conseguiria reproduzir aqui. Falta dos dentes, do sorriso. Falta do tédio que acabou servindo como um analgésico para aquelas noites quentes do ano 2000. Falta do tato, do bom gosto no pensamento e na boca. Falta de ouvi-la cantando baixinho, inventando um futuro pra nós dois, procurando no mapa as cidades que correríamos juntos pelo mundo. Falta de sonhar como criança. Falta de ter certeza em todos os momentos, falta de fugir escondido no fusca caramelo pela madrugada. Falta de ver que ela sempre foi a mais forte, mesmo quando se fez de fraca pra me tornar melhor, ou maior, ou igual. Ou apaixonado.

Falta de um mundo que não existe mais como real, mas não desiste de viver ali, escondidinho no pensamento, nas lembranças, no cheiro das coisas, no rosto bonito de qualquer garota toda vestida de branco. Ah, menina, antes do adeus eu lembro de nossa saudade no último telefonema. Lembro daquele beijo às 06:00 da manhã e da sua felicidade dizendo que queria fugir comigo pra Islândia. Ou de quando você achava um cartão antigo e ligava pra dizer que ainda era lindo, e apaixonado, e nosso. Lembro de sentir o vento enquanto você dirigia e achar que nada na vida poderia ser melhor que aquilo. E realmente, nada até hoje foi. Nada. Nada. Nada. Nada. Como um mantra.

A vida te levou, mas a saudade ainda te deixa aqui. Batendo forte.