segunda-feira, setembro 11, 2006

Causa Mortis.

Hoje senti saudade de tocar contrabaixo. Com 15 anos eu achava que sabia tocar muito bem esse instrumento. Com 22 anos eu começava a duvidar disso. Hoje eu tenho a clara certeza que não sei quase nada. Talvez até saiba mais do que imagino que sei, mas senti só vontade mesmo de tocar.

Quando formei minha primeira banda tinha apenas noções de como se toca uma guitarra, mas aquela era a fase em que eu aprendia mais rápido. Evoluí anos de hoje em meses daquela época. De lá pra cá desaprendi muita coisa. Em 1997 desisti de começar a tocar com quem sabia o mesmo que eu e fui tentar tocar com quem não sabia absolutamente nada. Foi a única vez que isso deu certo. Quem já sabia alguma coisa queria tocar covers das bandas que gostavam. A vantagem de quem não sabe é essa, poder fazer o que quer com a música. Infelizmente pouca gente consegue ver a beleza dessa total falta de amarras e inventar as suas próprias músicas.

Nós inventávamos várias todos os dias. O baterista que acabara de ganhar o instrumento desistiu de ter um professor logo na primeira aula. Até hoje ele é o melhor baterista com que já toquei no sentido da liberdade. O baixista era irmão do batera. Pediu a avó (que já tinha dado a bateria ao irmão) um baixo. Também não quis ter aulas com ninguém. Nós dois inventamos um método de contrabaixo. Eu escrevia as notas em um caderno pra ele, completamente do meu jeito e ele foi desenvolvendo esse método até chegar numa coisa bastante arrojada que eu mesmo não saberia reproduzir hoje. Ele dizia que eu sabia tocar muito bem o baixo. Acho que era respeito, sei lá.

Eu inventava as músicas na guitarra e eles seguiam do jeito deles. Tocávamos por horas, por dias inteiros. E quanto mais músicas nós escutávamos no tempo livre, mas idéias apareciam na hora de tocar. Era uma coisa completamente livre. Acho que só resisti ao tédio de cidade do interior na adolescência, graças a isso. O baixo era ligado numa caixa acústica de um antigo aparelho de vinil que eu aprendi a conectar num amplificador completamente detonado que alguém me deu. Gravávamos os ensaios num tosquíssimo aparelhinho de k-7 e depois ouvíamos as fitas pra tentar evoluir as idéias das músicas.

O mais engraçado era a cara de pau que a gente tinha. Odiávamos ver todo mundo da nossa idade querendo tocar Legião Urbana ou Paralamas do Sucesso. Então ficávamos fuçando nos discos da mãe deles procurando coisas antigas da Mpb pra fazer versões nossas. Lembrei hoje de várias que fizemos pra fase em inglês do Caetano quando ele estava exilado em Londres.

Difícil tentar escrever sobre as lembranças daquela época. São todas muito boas, mas a vida é realmente muito complicada. Tudo mudou muito de lá pra cá. Saudade é claro que dá, mas claramente o que eu sou hoje é uma parte do que eu era naquela época.

Queria muito ter como agradecer a essas caras, mas acho que palavra nenhuma que eu dissesse a eles seria o bastante. Melhor ficar só com essas lembranças no coração mesmo. Voltar a tocar só pelo prazer de tocar talvez seja a melhor coisa que eu possa fazer por eles. Por mim então, nem se fala.

“Um ciclone atravessou as nossas vidas, de repente tudo fora do lugar. Hoje eu sei só a mudança é permanente.”