terça-feira, julho 18, 2006

Nós dois e os Beatles - parte 2

Era uma noite normal de um ano estranho.

Acho que o mês era julho de 2000. Intervalo entre aulas de um curso pré-vestibular, que entre outras coisas, não fazia muito sentido pra mim.

Voltei pra sala como sempre, sem imaginar nada de novo. A cadeira ao lado que antes estava vazia, agora suportava um caderno e uma bolsa. Não dei importância. Nem ao minuto que seguiu.

Não lembro a roupa que ela usava, nos sonhos que ainda tenho era um vestido amarelo. Entrou e sorriu desviando o olhar. Quem diria que depois de seis anos estaríamos ali, lado a lado.

Nos trinta minutos seguintes pensei em um milhão de possibilidades e sentidos. Até que ela perguntou alguma coisa: respondi sorrindo e não nos falamos mais naquela noite.

Alguns dias depois o inevitável: conversas intermináveis pelo corredor. Ela contava tudo que disseram sobre mim. Uma amiga foi enfática ao avisar da inteligência que era suplantada pela total imprevisibilidade:

"Não confie."

Mas ela confiou. Escreveu num bilhetinho (que guardo até hoje) o telefone. "Quando der vontade, liga."

Acho que demorei tanto a ligar, por medo ou vergonha, que ela acabou ligando. Os telefonemas viraram religião. A noite continuava no telefone quando o curso acabava. São tantas lembranças de noites completas que me perco entre escrever e lembrar.

Um sábado em que teríamos aulas o dia todo, ela não apareceu pela manhã e resolvi voltar pra casa. Nada lá interessava. No início da tarde me ligou já no curso, não se sentia bem e resolvemos então passear.

Ela estava bem triste. Era uma tristeza de sábado, entre o tédio e a depressão de uma vida sem muito sentido.

Usei um truque: fomos a locadora que eu frequentava e apresentei a ela um funcionário, que de tanto tempo trabalhando lá, sabia de cor tanto a numeração, como o título dos filmes. Assim ficamos brincando:

- Marquinho, que filme é o 1594?

- "O Homem que sabia demais".

- Agora eu quero ver: Qual é o número do "IT: O Palhaço assassino"?

- 965!

Ele não errava um. Sabia até os números das fitas inutilizadas por algum defeito. Ficamos lá bastante tempo rindo e tentando achar um filme que ele não soubesse o número. No final alugamos dois e voltamos a passear.

Caminhamos a praça da cidade quase toda conversando.

Agora mais feliz, ela sorria daquele jeito lindo.