sexta-feira, julho 06, 2012

retalho

a noite avançando nas ruas vazias e pouco iluminadas de villa crespo, passamos por oito quadras e os restaurantes ainda abertos estavam lotados. só podemos colocar na conta do acaso encontrar aquela pizzaria, sem clientes, sem ninguém na cozinha, só um senhor idoso e simpático no balcão, um cachorro e o som desgraçado da tv pública argentina transmitindo o campeonato nacional.

o senhor sorriu e pareceu realmente feliz de ter duas outras pessoas ali. disse que o pedido sairia rápido, que o pão caseiro era ótimo, que traria vinho, que podíamos pedir o que quiséssemos que daria um jeito. correu até a rua para chamar a mulher, não sei se esposa ou só cozinheira, que correu para os fundos onde prepararia a comida, com o acompanhamento fiel de nossos olhos. tinha alguma deformidade, acho que uma grande queimadura, mas o tom de irrealidade sensível das coisas vai apagando minha memória prática.

a comida estava boa. o cão era grande e nos observava, dócil como o dono. o vinho forte tinha gosto de gente, e nenhuma outra coisa que bebi na vida parecia assim, melhor que a representação do que seria bom. comemos e pagamos com pressa, estávamos atrasados. o cachorro ganhou a rua correndo e não foi repreendido, devia estar acostumado. nunca saberei como é a vida daquelas pessoas, mas guardo a sensação de ter vivido a mais humana das experiências.