ela cantava com o toca-fitas.
sei
o tempo errou
me derrubou
me consumiu
me deixou surdo.
e o que ficou na ausência de futuro?
não sabia da premonição. não sabia de nada porque no dia em que se vive alguma coisa séria ninguém pensa na vida. as ruas do outro lado da cidade estavam vazias, os poucos bares pareciam gélidos, era uma sexta-feira que não aconteceria em qualquer outro lugar do mundo. ela ria. achando quase tudo inteligente. ele não fumava, ela dirigia.
- onde vamos agora?
- não sei, tá tudo fechado.
- a gente pode ficar só rodando e ouvindo música.
- nunca vi a metade dessas ruas, sabia?
- nem eu, mas tá legal.
pararam na margem do rio, ele bebia e a espiava um pouco, coisa de olhar rápido enquanto desatava algum assunto bobo. ela, do nada, andou até um bico de luz, abaixou-se e mijou no chão. parecia louca de tanto que ria voltando correndo da casinha abandonada.
- que foi isso? tá maluca?
- queria ir ao banheiro, ué. aqui não tinha.
ainda rindo por achar engraçada a situação, mas também por vê-lo desacreditar de tudo aquilo. beberam mais um pouco, ela contou uma história da mãe, outra do pai e ainda outra dos dois juntos. ele lembrou de um fita que faltava ouvir e voltaram ao carro. só duas ruas até as amendoeiras onde estacionaram definitivamente. ficaram no carro.
- sabe que eu falei de você para a cristina?
- que cristina? aquela sua amiga?
- é sim.
- falou o que?
- que gosto de você.
- você gosta de mim?
- gosto.
se eu pudesse te ver sem derreter
não iria haver
adeus.
continuou a girar no toca-fitas.