correio já não se usa para ser útil.
feliz constatação agora que quero escrever para acertar as contas com o que ainda resta de peso em mim, tenho que escrever para o passado, dizer o que penso de tudo que passei para os fantasmas, esclarecer, refazer um caminho que não sei enfrentar como homem. cheio de buracos, vaidades, pequenos lapsos que criei até aqui para disfarçar o que outros chamariam de erro, ponto fraco, lugar onde não tenho coragem de tocar. meu espelho sem reflexo. onde posso ser claro para muitos, mas obscuro para mim, falando de uma coisa que sequer me diz respeito, não depende da minha opinião ou vontade, fui covarde e nunca mais voltei a ela.
não voltei onde não sou medo, infantilidade ou circunstância.
onde não sou nada. nem um nada.
agora que sei que é impossível, posso tentar escrever uma carta, falando, falando, falando, só isso já deve adiantar, mesmo não sendo importante ou necessário, eu quero tentar pra ver se alguma coisa sai, ou serve, ou acontece, ou muda em mim.
só em mim, veja bem.
uma carta pra ninguém, pro passado, minha para alguém que não precisa ler. não é carta por contato, para interação, comunicação qualquer. carta por utilidade subjetiva de estilo, não necessariamente prática, pelo puro prazer da experiência com a verdade sensível, com a beleza de um sonho, de uma possibilidade que passou bem longe das minhas posses, das minhas virtudes, da minha vida, foi o canto da sereia óbvio.
não aconteceu.
quando vira carta, não foi nada.