terça-feira, abril 24, 2007

Como perder-se em uma noite suave.

Ele caminha sobre os destroços de uma guerra que ainda acontece. As pessoas passam apressadas com suas crianças nas mãos e ninguém ali parece ter o mesmo destino. Caio corre e gesticula procurando o último carro que possa leva-lo desse ambiente insuportável, com a coragem de quem espera a redenção, ele consegue e tudo a sua volta parece um enorme cemitério de automóveis. Sentado em qualquer encosto sente o vento entrar ralo e ainda guarda a certeza de tempos melhores.

Ele encontra, e vive, e pensa, e faz-se ator de uma vida nova, o tempo é outro, um novo lugar, outras pessoas, canta, beija, abraça pensando nos horizontes do pós-guerra, do viver diferente agora, de viver aqui, lugar estranho, casa nova.

Na manhã seguinte, os raios de sol que entram pela janela parecem anunciar a calmaria. Ele participa do almoço e escuta ao longe as outras vozes na mesa, são pontos finais em sua trajetória de refugiado, filho perdido, agora bem-aventurado. Estende seu manto pelo chão e encontra repouso em abraços de carinho, em palavras soltas nesse dia preguiçoso e lento, são tantas as razões para serenar, que o rapaz apenas deixa-se viver. Parece tão simples como tudo acontece agora que o ontem já é uma lembrança quase encenada. Será que foi vivido realmente?

Algo de estranho ainda existe. Está lá, escondido em algum lugar, parece fruto de outro coração, mas ele sempre acha que isso só se esconde no seu próprio. Ele releva, esquece, esconde, deixa pra lá. Talvez a explicação venha com o tempo, assim é seu jeito de esperar uma revolução. Vivendo o sim, quando a vida defende o não.

Chega a hora de partir. Junta sua roupa e segue a viagem que já começa a lhe pesar os ombros. Encontra o novo carro que irá dividir com mais estranhos. Os acordes iniciais da canção parecem vir de outro filme escondido em seu inconsciente, mas ele entende que é real quando uma mulher pede ao motorista que aumente o volume do som. Ao menos as dimensões parecem próximas.

Caio olha as luzes que banham toda a costa enquanto o carro segue seu movimento, a música então o carrega em pensamento para um lugar distante. Enfim reconhece as palavras no refrão e se emociona.

"Tell me that you'll open your eyes / All this feels strange and untrue / And I won't waste a minute without you."