terça-feira, junho 27, 2006

Nós dois e os Beatles

Agora faço uma coleção de sonhos. Acredite ou não: os meus sonhos são incríveis. Guerras de faca na África do Sul ou donas de mercearia que lucram mais com cocaína. As vezes caminho ausente pela praia na madrugada antes de sonhar.

Só que agora deu vontade de voltar a 1994. Até então eu não fazia idéia que iria querer um dia uma mulher-companheira-amante-irmã. Eu acho que nem pensava muito nisso. As mulheres eram bonitas ou feias, brancas ou negras, gordas ou magras. Mas nunca eram minhas. Muito menos não-minhas.

Elas eram mulheres. Eu nem pensava muito nisso. Falei para os amiguinhos a infância inteira que a minha mãe era linda. E olha: era mesmo. Achei na escola só uma garota bonita e pensando agora, acho que ela talvez não fosse a única, nem a mais bonita.

Só que mesmo sem perceber: ela foi meu par. Um par que em 2006 faz todo o sentido pra mim. Sempre sentada ao lado, com um silêncio, um sorriso e a compreensão de quem pode ficar ali pra sempre. Acho que nunca cheguei a fazer nenhuma análise justamente por isso. Naquele momento aquilo era tudo e parecia durar pra sempre, era só olhar ao lado e sorrir.

As férias chegavam e acho que a saudade acabava sempre perdendo para as descobertas que a liberdade da escola sempre traz. No máximo um de nós dois tentava um telefonema. Era a coisa mais bonita e infantil do mundo.

Até que um dia as férias terminaram em outro mundo. Mudei de colégio, de amigos, de praticamente tudo. Era 1994. Antes das aulas começarem fui convidado a jogar voleibol na casa de um vizinho que logo seria companheiro de sala.

Não era amigo, nem colega, no máximo conhecido. Mas como já fazia parte dessa futura sala, achei interessante conhecer os novos amigos na casa dele nesse vôlei com meninos e meninas.

Aí rapaz. Aí que foi o lance! Foi só pisar na casa do cara e bater logo de frente com ELA! Só pensava que nunca tinha visto na vida alguém assim. Era um sorriso, era um vestido, era tudo e pronto. A única coisa que eu sabia é que não conseguiria de jeito nenhum trocar duas palavras com a tal menina.

A tarde passou assim. Conversei com todos, menos ela. Nem olhar, eu olhava. Com as outras pessoas eu era o social, o novo colega, o que tinha um comentário diferente.

Já ela com aquele vestido amarelo no máximo cruzava um sorriso que me dava um frio enorme na barriga.

Dali até as aulas nos pensamentos só deu ela.

Um amigo que era irmão da melhor amiga dela, um dia me disse a senha: "Olha cara, pelo que eu ouvi, ela também gosta..."

Tem noção? Eu era o herói. Agora não tinha mais jeito. Era namoro, casamento, pra sempre. Era tudo meu amigo. Quem me segura?

Mas e a coragem?

O ano inteiro os mesmos horários. Terça e Quinta era educação física as 18:00. Eu e um amigo apaixonado na tal irmã do outro, melhor amiga, chegávamos lá. Sempre com a esperança de que seria aquele o grande dia. Uma conversa casual, do nada... e pronto: tudo resolvido. Quarta e Sexta aulas de jazz às 19:00 e os dois novamente lá na porta.

Mas e a coragem?

Até que um dia a melhor amiga resolveu acabar com aquilo e me disse:

- Então... Ela quer ficar com você. Você quer?

- Quero. Quero sim...

- Vamos fazer o seguinte: Ela sai da escola e anda duas quadras. Você espera isso e depois vai lá falar com ela. Está mais do que na hora de vocês resolverem isso!

- Tudo bem...

Então ela saiu e caminhou as duas quadras. Acompanhei os passos de longe. Ela parou. Eu parei.

Não consegui dizer nada. Nem ela.

Caminhou mais duas. Eu também.

Nenhuma palavra.

Mais algumas quadras. Trinta metros de distância entre nós dois.

Não dissemos nada aquele dia, nem no outro, nem nunca mais.

Esse "nunca mais"... é claro... durou até 2001. Que já é outra longa história.