Ele acordou e tudo pelo apartamento estava sujo. O chão, a carne, os copos. Ele quis varrer, juntar todas as embalagens, papéis com telefones, cartas, compras, até o gosto de álcool que devora os lábios. Abriu as cortinas e a dor de cabeça ainda era forte, mas mesmo assim ele suportou. Foi guardando as roupas amarrotadas no armário, colocando o lixo em sacolas de supermercado, jogando a pilha de jornais na escada do prédio. Não tentou ouvir música ou imaginar os seios da mulher que ama.
Ele quis lavar o rosto, fazer a barba, escrever qualquer coisa que fizesse sentido pra outra pessoa em pânico. Quis ter cinco anos a menos, morar em outro bairro com outra vista, ter outros vizinhos em uma cidade melhor. Quis namorar uma médica, ou aquela dentista, você sabe qual é. Ele quis muito, outra vez. Ainda quis desenhar um coração na carne, cantar uma música que mudasse o tempo lá fora, quis usar uma droga pra dor, um remédio que fizesse efeito naquela hora.
Fumou uma carteira inteira de cigarros sem parar e tomou todo o café que conseguiu. Pensou em todas as pessoas que já passaram por sua vida, telefonou, mas não quis conversar com nenhuma delas. Será que alguém entenderia? Não quis se importar com isso também. Ligou o rádio e só conseguiu pensar, que da próxima vez vai dizer a Paula que a ama. Mesmo com todo esse ruído, ele ama.