— Me conta. Como foi lá? Ela dizia já sem aquela animação dos telefonemas, uma voz de meio tom abaixo.
— Foi legal. Você sabe como é. E eu só pensava em abraçar forte e ter certeza que tudo mudaria ali.
— Você não vai jantar? A comida aqui é tão gostosa. Vai... vamos dividir alguma coisa...
— Não. Estou realmente sem fome. Por que eu já sabia que o encontro seria assim? Durante toda a viagem quis me convencer de que estava errado. Ela ligou. Disse que precisa, que não entende, que faz falta. Caminhamos duas quadras cantando juntos o que parecia ser a nossa canção. Abraçados esquecemos o frio e as pessoas. Gritamos cada palavra mais alto, cada nota mais alto. Ao me despedir senti que não poderia deixar as coisas assim, sem ponto final. Ela deu um passo sem perceber e me olhou nos olhos.
— Ahhh... não vou conseguir ir embora assim. Posso te beijar?
— Pode. Com timbre de talvez, com som de eu queria, eu quero, não sei.
O beijo foi longo e os ruídos da noite foram a trilha dos pensamentos, das perguntas e do carinho de dois mundos tão distantes naquela chuva fina.
O casal que a vida mais amou, escolhido pela chuva, pela canção e pela distância, morreu quando aquele beijo acabou.
E depois tudo se desfez em um silêncio eterno.
E ninguém mais dormiu em paz naquela rua.